Neste mês de outubro, convidamos uma pessoa muito especial para falar sobre a estreita relação que existe, e sempre existiu, entre o Pilates e a Dança: o grande bailarino e coreógrafo Luis Arrieta. Como exímio conhecedor das duas técnicas, ele aceitou de imediato o convite, nos presenteando com uma envolvente análise, que você pode conferir logo a seguir:
“Sendo Joseph Pilates uma pessoa proveniente do mundo da ginástica e artes marciais, ele encontrou a plena realização do seu Método quando tomou contato com a dança, especialmente através de Martha Graham, George Balanchine, Ruth St. Denis, Ted Shawn, Jerome Robbins, entre outros. E o confirma deixando seu Studio de Pilates aos cuidados de Romana Kryzanowska, sua assistente e também ex-bailarina do New York City Ballet, de Balanchine.
Desconheço os verdadeiros motivos dessa identificação por parte dele, mas posso imaginar que a total integração de todos os aspectos físicos e espirituais compreendidos na dança devem ter completado suas buscas de forma impactante.
Dança é movimento, dança é mudança
Em épocas como as que vivemos, adoradores da forma imutável que somos, acredito termos no mínimo uma marcada aversão a toda possibilidade de câmbio, mesmo que no discurso diário o coloquemos como meta, especialmente nas palavras de credenciados professores e orientadores.
Aproximamo-nos da técnica focados unicamente na forma que desejamos atingir, sem perceber que é o profundo conhecimento do movimento o que trará como consequência a forma. Sem negociações, nem concessões.
A dança profunda é a atividade mais completa, porque ela integra o ser humano como um todo.
Muitos pensam que a dança é movimento físico acrescido de expressão ou sentimento. A dança é a profunda capacidade de expressão vital inata em todo ser e redescoberta a partir da genuína consciência corporal sem supremacia do intelecto. Esse caminho natural de todo ser vivo, que deveria ser tão claro e simples, é totalmente difícil de apreender para uma sociedade adoradora e fascinada com o intelecto, a quem atribui toda capacidade e domínio do seu ser.
‘O meu corpo’, diz a cabeça possessiva e arrogante.
Possivelmente, seja por isso que nos resulte tão difícil tomar contato com o nosso corpo, tão próximo e tão distante ao mesmo tempo, lutando para nos mantermos concentrados nas práticas dos exercícios, usando um pensamento exausto que desconhece o verdadeiro caminho para chegar ao corpo, porque é o corpo todo o detentor da consciência desejada e temida.
Acredito que a tal forma desejada que assegure, certifique e avalize nossa existência é ao mesmo tempo nosso cárcere e nossa morte.
Somos feitos, praticamente, de água na nossa totalidade e não permitir suas características de amorfia e adaptabilidade, congelando-a em formas, é não usufruir das verdadeiras dádivas da vida com que fomos presenteados.
Águas estancadas apodrecem.
Por tudo isso, a proximidade da dança com os exercícios desenvolvidos por Pilates caminham paralelos, já que este mamou profusamente daquela.
O bailarino reconhecerá na técnica de Pilates os princípios estudados na sua prática profissional, trabalhados de forma específica e acentuada, mediante as aulas de chão coletivas (mattress) ou com os aparelhos desenvolvidos para intensificar essa consciência, que a identificamos com a força.
Acompanho Inelia desde que começou os treinos e estudos para sua Certificação que, muito inteligentemente e coerente com a visão de Pilates, cercou-se de gente proveniente da dança, mesmo que esta não era a sua origem.
Pratico regularmente, embora não intensivamente, aulas de chão, levando a elas o meu saber da dança, e refletindo na dança toda consciência desenvolvida na prática de Pilates.
Principalmente, pratico tentando ouvir com todo o ser o que o ser todo continuamente me conta e que a dureza das formas adquiridas ao longo da vida impede expressar.
O trabalho conjunto de dança e Pilates é um caminho intimamente interligado e sem fronteiras que conduz a um saber (de ‘sabor’, ‘saborear’) sem domínio do pensamento compulsivo, que atua no nosso ser como limpador de todo resíduo nocivo acumulado.
Um corpo escrito e sulcado pela forma só pode responder unicamente a essa forma.
Um corpo limpo dela é um corpo pleno de possibilidades de realização para todas as que a vida lhe apresente.”
São Paulo, 21 de outubro de 2014.
* Luis Arrieta é bailarino e coreógrafo natural de Buenos Aires (Argentina), radicado no Brasil desde 1974. Começou a estudar dança em 1972, ainda em Buenos Aires e, logo depois, já como bailarino, dançou com o Ballet de Joaquín Pérez Fernández, com a Escuela del Ballet Contemporáneo de la Ciudad de Buenos Aires e com a Compañía de Shows de Nacha Guevara, na Argentina. Quando chegou ao Brasil, em 1974, fez parte dos elencos do Ballet Stagium, do Balé da Cidade de São Paulo, da Associação de Ballet do Rio de Janeiro e atuou como solista convidado em vários eventos e festivais de dança. Como coreógrafo, deu início à sua carreira em 1977, com o espetáculo Camila, obra estreada pelo então corpo de Baile Municipal de São Paulo, hoje Balé da Cidade de São Paulo. Desde então, assinou mais de uma centena de coreografias, trabalhando com os mais variados temas e gêneros musicais, junto a diversas companhias internacionais da Europa e das Américas, bem como a companhias oficiais brasileiras e aos mais importantes grupos do Brasil. Ocupou, por duas vezes, o posto de Diretor Artístico do Balé da Cidade de São Paulo e foi um dos fundadores e o Diretor Artístico, em 1982, do Elo Balllet de Câmara Contemporâneo, de Belo Horizonte. Por sua contribuição à dança brasileira, recebeu inúmeros prêmios mais que merecidos! Dentre eles, se destacam: Prêmio Associação Paulista dos Críticos de Arte – APCA – (1977, 1979, 1980, 1988); Prêmio Governador do Estado de São Paulo (1978 e 1979); Prêmio Conselho Estadual de Cultura de Salvador (1985); Bolsa Vitae de Artes para Criação Coreográfica e Pesquisa (1991); e diversos prêmios de Melhor Coreógrafo e Melhor Coreografia, concedidos pelos mais importantes festivais de dança do país.